quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O DIREITO DE TER “PAI”, O DIREITO DE NÃO TER “PAI”.
A cena se passou na sala de audiências. O caso envolvia a regularização de uma guarda em favor de uma avó que já cuidava dos netos desde pequenos. Todos se faziam presentes. Observei tratar-se de pessoas humildes. Não existia litígio, a intenção era simples, obter um documento (termo de guarda) que permitisse àquela avó administrar os netos na ausência da mãe. Tudo corria normalmente até que uma autoridade presente resolveu indagar acerca do pai. E o pai? Sabem quem é o pai? Diferentemente da entonação da pergunta, a resposta veio baixa, quase inaudível. Reeditou-se a frase: Sabem quem é pai? O constrangimento ficou evidente. A avó incumbiu-se de esclarecer: - O pai, a gente sabe quem é, mas... Interrompendo, a autoridade proclamou: - O pai tem que registrar! Após rápido silêncio, a avó tentou novamente falar: - A gente sempre cuidou das crianças. A mãe acrescentou: - Não quero que registre as crianças. Eu tenho companheiro. A conversa tomou outro rumo, agora repressivo. - Vocês têm de entrar com a investigação de paternidade, é direito das crianças! Do alto de sua autoridade, viu-se ela, a autoridade, com o dever cumprido. Desnecessário falar o constrangimento daquelas pessoas. No fundo da sala, o rosto dos pequenos era de medo. A avó e a mãe não conseguiam esconder a angústia. Audiência encerrada. Vejam a discrepância. A falada “produção independente” é uma realidade nos dias atuais. Mulheres esclarecidas decidem ter filho, criá-lo sozinha. No registro da criança, apenas o nome da mãe. Nenhum problema. Isso em relação a alguns, possibilidade reservada para um grupo restrito de pessoas econômica e socialmente estruturado, porque, caso contrário, se uma mulher pobre, de pouca instrução, tiver o desatino de entrar em uma sala de audiência e relatar seu desejo de não proceder ao registro do pai – por esta ou aquela razão – será sentenciada. É obrigação, é direito do filho. E ponto final. A lei há de ser cumprida, fazendo-se constar do registro de nascimento a paternidade, ainda que isto traga um vasto número de implicações, ainda que a vida das pessoas possa ser transformada, transtornada. Só agora compreendo a expressão de medo daquelas duas crianças. No futuro, cumprida a “ordem”, talvez tenham de passear aos domingos, “em finais de semanas alternados”, como geralmente faço constar em minhas decisões, na companhia de uma pessoa estranha, de um desconhecido. Quanto à mãe, bem, terá de comparecer às audiências, viajar com os filhos até a capital para a realização da perícia, o DNA fará a prova da paternidade. É direito dos filhos! Não se contesta. Também pouco importa o desconforto perante o novo companheiro. Enfim. O direito de ter um “pai” (as aspas foram propositadamente colocadas porque a paternidade é muito mais do que figurar no registro de nascimento do filho); pode ser esta a melhor solução para a criança. Por outro lado, o direito de não ter um “pai”, resguardando-se a privacidade da mulher e o bem estar da própria família. Uma destas situações terá de prevalecer. Não contesto a lei, o registro da paternidade é direito do filho. Questiono apenas a dicotomia. Para uns é direito, para outros, obrigação. Tudo dependerá da condição social e econômica das partes envolvidas.
(Colaboração do Dr. Ivan Fernando de Medeiros Chaves, um magistrado que admiro muito)

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